sábado, 11 de maio de 2019

Brinde aos Avós

Bons dias, caríssimos.

Recentemente faleceu o último de meus avós, já na segunda metade da sua nona década. Não sendo uma tragédia, pela respeitosa idade que torna tal acontecimento menos inesperado, a data de seu nascimento, esta semana, trouxe-me alguma vontade de escrever uma pequena homenagem aos pais de meus pais.


Sinto que muito ficou por saber e conhecer dos meus avós. Por um lado as situações em que interagia com eles envolviam geralmente uma boa parte da família que conversava entre si, ou então a minha fraca capacidade de fazer uma conversa fluir tratava do resto. Por outro lado, as pessoas que conheci como meus avós não eram, naturalmente, as mesmas pessoas que os meus pais conheceram como seus pais. Portanto a ideia que tenho deles é muito minha e certamente bastante limitada, mas é assim que os recordo.

De qualquer forma gosto de pensar que parte da minha personalidade tem claras semelhanças com algumas das recordações que tenho deles. Independentemente de haver alguma possibilidade de hereditariedade nestas semelhanças, de terem sido influência de actos ou palavras seus, ou de simplesmente isto não passar de um fútil devaneio da minha parte.


A minha avó paterna foi a primeira a partir, e aquela de quem tenho mais memórias tristes, principalmente devido à debilidade física que a atormentou durante largos anos. Em contrapartida estou convencido que é em grande parte dela que vem algum do meu imprescindível sentido de humor. Não estou a falar de uma comicidade sofisticada, mas consigo lembrar-me de diversas situações em que ela, mesmo extremamente debilitada, lançava um comentário curto e seco em jeito de piada que punha toda a gente a rir-se. Simples e eficaz. Tomara eu ser capaz de manter essa capacidade nas situações em que a vontade de rir escasseia.

Do meu avô paterno recordo muito a sua dedicação para com o seu trabalho, ou melhor, a sua arte. Uma das memórias que mais gosto dele vem do tempo em que ele fez vários trabalhos de carpintaria ao longo da construção da casa onde residi durante muitos anos. Um grande e disforme pedaço de madeira foi pacientemente trabalhado à mão durante não faço ideia quanto tempo, até se tornar numa perfeita e curvilínea obra de arte que preencheu o espaço que faltava no corrimão. Não sei quão paciente ele era para tudo o resto, mas revejo-me na paciência que ele tinha para a sua arte, embora eu de artista tenha muito pouco.

A minha avó materna era a alma caridosa que juntava tudo e todos em seu redor. Durante anos e anos a família reunia-se ao Domingo para almoçar, e para essas ocasiões a minha avó levantava-se a meio da noite para começar a preparar a comida no fogão a lenha. Mas não estejam à espera que eu me compare a ela neste ponto. Obviamente que não me apanham a sair da cama às 4h da manhã para cozinhar. Um dos seus traços que mais recordo era a sua preocupação e afecto pelos seus, e daí a sua proactividade em ter a família em seu redor. Eu gosto de pensar que tenho um pouco dessa característica, mas infelizmente não tenho a outra característica que geralmente fica bem em conjunto, que envolve efectivamente mostrar essa preocupação e esse afecto, o que pode dar a ideia oposta. Enfim, não se pode ter tudo.

Do meu avô materno herdei o benfiquismo, o que não se pode menosprezar. E creio que, embora tenha tido umas décadas de atraso em aparecer, o gosto pelo vinho e outras bebidas alcoólicas pode muito bem ter tido nele a sua origem. Desde miúdo que participei nas vindimas, embora estivesse pouco interessado no produto final. Até que eventualmente, quase aos 30 anos, descobri que ali estava afinal um mundo apaixonante em que viria a mergulhar. Felizmente ainda tive o gosto de fazer vários brindes com o meu avô, alguns dos quais com bebidas fabricadas por mim. E embora o hidromel Polaco natalício tenha sido introduzido na minha família por mim, cedo o meu avô se tornou num devoto praticante dessa tradição, perguntando-me pelo hidromel sempre que eu passava em Portugal por essa altura do ano.


Talvez volte a escrever sobre eles, mas creio que o que eu queria escrever neste momento está escrito. Espero que tenha feito algum sentido. Para mim fez. Por agora brindo com a última garrafa de vinho do Porto oferecida pelo meu avô materno e penso nos meus antepassados com afecto, enquanto pacientemente preparo um acutilante e seco comentário em forma de piada, para quem quer que esteja a ouvir.






Até qualquer dia, caríssimos avós!

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