sexta-feira, 21 de junho de 2013

Євро / Euro 2012 (V)

Um enorme bem-haja, assíduos (mais do que eu) leitores!

Parece impossível, mas estou já de regresso para o capítulo final da epopeia de há um ano atrás no campeonato Europeu de futebol.


Depois de uma vitória suada mas merecida em Varsóvia, a selecção Portuguesa teria uns dias de descanso até ao jogo seguinte, em Donetsk, bem nos confins da Ucrânia, ainda mais distante que Kharkiv.

Era uma sexta-feira, dia 22 de Junho. Um dia calmo que passei em Varsóvia, de onde fui trabalhando.

À noite não pude evitar ver mais um jogo dos quartos-de-final. Uma vitória esperada da Alemanha sobre a Grécia. Os Gregos foram-se aguentando, mas era uma questão de tempo até o jogo se resolver para o outro lado.

No dia seguinte deslocámo-nos de comboio até Kielce para uma reunião familiar, já que na Polónia celebrava-se o dia do Pai.

Uma das coisas que se pode fazer no dia do Pai, ou em outro dia qualquer, é sair da cidade até que se vislumbrem os primeiros bosques, e parar num deles para apanhar morangos silvestres. E foi assim que as horas foram passando. Dado o tamanho reduzido dos frutos, foi com alguma lentidão que se foi enchendo os recipientes disponíveis.

Os morangos eram óptimos, mas a maioria deles não visitaria os nossos estômagos tão cedo. Posso dizer, com orgulho, que contribuí para que o frasco de compota que tenho ali na despensa tenha efectivamente compota (e muito boa, já agora).








O resto do dia passou-se como muitas vezes se passam restos de dias na Polónia: a comer e a beber com qualidade. Desta vez, e surpreendentemente, já que ninguém naquela casa liga a futebol, pude ver o terceiro jogo dos quartos-de-final, que ditaria o nosso adversário seguinte.

Não me apetecia nada ter a Espanha pela frente, e os Franceses, inicialmente, estavam a surpreender-me pela positiva. Jogavam bem, mas não souberam aproveitar o tempo em que tiveram a bola, levando os Espanhóis a melhor. Marcaram o golo da praxe, que bastava. O golo já no final, da marca dos 11 metros (até parece que alguém vai efectuar um salto para um recorde mundial), foi só para confirmar a vitória. Lá teria que ser.


Antes de regressar a Cracóvia houve tempo para um passeio por Kielce que incluiu destinos tão variados como uma exposição de design e a Biedronka (cadeia de supermercados baratos, propriedade do grupo Jerónimo Martins) local, onde foi possível encontrar algum vinho Português, bem como pastéis de nata congelados.

Entretanto a Itália eliminava a Inglaterra no desempate por pontapés da marca  de grande penalidade, com Pirlo a marcar à Postiga. Os Italianos, sorrateiramente como é seu costume, iam fazendo o seu caminho, se bem que desta vez a jogar melhor futebol que o habitual.


O dia seguinte (segunda-feira 25 de Junho) foi passado a trabalhar, mas este descanso não poderia durar para sempre. Ao final da tarde era tempo de mais uma viagem de comboio com destino à capital Polaca, onde passaria a noite.

Desta vez decidi que, como já tinha experimentado os meios de transporte mais tradicionais na Ucrânia, o melhor a fazer desta vez era utilizar meios bastante mais caros, mas também mais rápidos.


Sendo assim, na manhã de dia 26 entrei na Ucrânia pela primeira vez por via aérea, descolando de Varsóvia e aterrando em Kyiv.

À chegada passei ainda algum tempo no aeroporto tentando reaver a máquina fotográfica que os amigos Chineses lá tinham deixado, mas sem sucesso.

Depois apenas houve tempo para uma rápida passagem pelo centro para almoçar, enquanto aguardava pela hora de partida de mais um comboio, tal como da última vez, para Kharkiv.

Escolhera Kharkiv porque os comboios directos para Donetsk estavam cheios. Vendo-me obrigado a parar em qualquer lado, aquela não me parecia ser uma má opção, pois já conhecia a cidade como a palma da minha mão esq... direita.

Contrariamente às últimas viagens de comboio que fizera, desta vez escolhera os novíssimos comboios comprados para o torneio. Como tal, a viagem em vez de demorar uma noite inteira, ficava-se por meras seis horas. E não me podia queixar deste comboio, principalmente depois de conhecer os outros. Confortável, rápido, e até com ligação à internet, se bem que nem sempre funcional (não se pode ter tudo, pelo menos na Ucrânia).

Um pequeno aparte. Entretanto passou um Inverno, altura em que obviamente estes novos comboios avariaram, tendo sido substituídos (talvez temporariamente) pelos velhos comboios outra vez.

Para evitar qualquer problema de navegação, reservara um quarto no hotel que já tinha utilizado uns dias antes. Claro que por esta altura a cidade não mais receberia qualquer jogo do torneio, levando a que o preço do quarto correspondesse a 20% do que tinha pago da primeira vez.

Era já bem tarde, e não teria tempo de dormir muito, mas para atrasar mais a situação descobri que a minha roupa tinha transportado um passageiro indesejado dos bosques Polacos, e tive de passar bastante tempo a tentar remover uma carraça da perna utilizando uma pinça de um canivete Suíço, com a vodka do mini-bar a servir de desinfectante.

Enfim, acontecimentos normais num campeonato da Europa de futebol.


Quando os primeiros raios solares passaram por entre as cortinas do quarto, já eu lá não estava para os ver, porque possivelmente estava a levar com um jacto de água na cabeça, ali ao lado na casa de banho.

A hora de partida do comboio onde teria de seguir - 5:40h da manhã - era a razão para tal chatice, e impedia-me de usufruir do pequeno-almoço a que tinha direito no hotel.

Desta vez um comboio um pouco menos confortável, mas isso talvez se devesse mais ao sono que me assolava na altura do que propriamente à falta de internet. Mas como neste caso a viagem era extremamente rápida (menos de quatro horas), não foi tão incómodo assim.

Chegado a Donetsk, cidade para lá do fim do mundo, precisava de encontrar o apartamento que alugara para aqueles dias.

Depois de um autocarro até ao centro da cidade, comecei então a andar às voltas em busca do desejado alojamento. Encontrar o local onde mais ou menos o prédio se encontrava foi relativamente fácil. Era uma zona com vários prédios de apartamentos com mau aspecto exterior e aparente falta de manutenção. A ideia com que fiquei é que um bloco com inúmeros apartamentos, cujo perímetro me demorava cerca de 5 minutos a percorrer, tinha um número associado. E era esse o único número que eu tinha na morada. Depois o mesmo bloco tinha umas dez entradas diferentes, sem número ou qualquer outro tipo de indicação, pelo que estava pouco menos que perdido.

Foi então que pedi ajuda a um transeunte que me surpreendeu de forma incrível. Fiquei a saber que estava mesmo ao lado da entrada certa, mas este sujeito estava a tentar ajudar-me de tal forma que eu já começava a suspeitar um pouco. Enquanto estávamos a tentar perceber qual era a morada exactamente, ele fez várias chamadas para tentar obter uma resposta de alguém que conhecia (daí eu estar já a suspeitar que ele quisesse arranjar-me um alojamento dele, ou algo do género), inclusive uma chamada para a mulher dele para tentar comunicar melhor comigo, já que ele não falava grande coisa de Inglês.

Depois de toda esta ajuda, ainda ligou para a pessoa que eu precisava de contactar por causa do apartamento, já que o seu Inglês também não era bom.

No final, deu-me um cartão de visita, no qual pude ver que era fotógrafo, despediu-se e seguiu o seu caminho. E eu ali parvo, ainda a duvidar que aquilo tivesse mesmo acontecido.

Assim, com todo este processo acelerado pela ajuda, pude instalar-me no apartamento, comprar alguma comida e seguir para o estádio.









Chegado ao estádio onde costuma jogar o Shakhtar, passando pelo ponto onde pude levantar os bilhetes, vesti por algum tempo uma pele na qual nunca estarei confortável. Tinha um bilhete a mais em quase todos os jogos (a ideia inicial não era ir sozinho), mas desta vez tinha até mais, portanto decidi andar um pouco mais de tempo à volta do estádio para ver se havia muita gente à procura.












Havia realmente gente à procura, mas muito mais gente com o mesmo propósito que eu. Nos jogos anteriores já tinha percebido isso, mas desta vez, com mais tempo para observar, dava para ver que naquelas circunstâncias ninguém iria oferecer sequer o valor normal do bilhete.

Falta-me certamente jeito para aquela actividade, e descobri que também me falta pachorra. Segui então o meu caminho para o estádio, com um bilhete a mais (talvez pudesse sentar-me em duas cadeiras ao mesmo tempo), já que não estava disposto a perder tempo e arruinar a minha preparação mental para o jogo (eu gosto daquele nervoso miudinho antes do jogo, e não de estar a regatear preços de bilhetes).

Até calhou bem porque me permitiu ter ainda tempo para tirar uma fotografia, a cerca de 4000 quilómetros (em linha recta) de Lisboa, com uma celebridade Benfiquista.















Quanto ao jogo, foi emotivo mas uma tristeza enorme no final.

Portugal não foi inferior à Espanha durante os 90 minutos. Contra os campeões da Europa e do Mundo, era o palco ideal para Ronaldo brilhar. E já era tempo de alguém arrumar com estes Espanhóis. Mas desta vez nem os seus temíveis pontapés livres nem um remate a finalizar o derradeiro contra-ataque (que deveria ter dado golo, há que dizê-lo) do tempo regulamentar acertaram no alvo, e assim se permitiu a chegada do prolongamento.





No tempo extra a Espanha foi mais forte, mesmo não tendo marcado, e isto deve-se muito, creio, à nossa gritante falta de opções e à excessiva quantidade de opções do adversário. Basta olhar para as substituições efectuadas pelas duas equipas: para uma equipa entraram Nélson Oliveira, Custódio e Varela, enquanto que para a outra entraram Fábregas, Navas e Pedro Rodríguez.

Portugal parecia estar à espera dos penáltis, mas os jogadores que entraram no prolongamento não são propriamente especialistas, enquanto que os que saíram eram potenciais marcadores (Veloso e Meireles).

O desempate até começou bem, com Patrício a defender o remate de Alonso. Mas logo a seguir Moutinho não fez melhor frente a Casillas. Até final só Bruno Alves falhou, acertando com estrondo na trave da baliza Espanhola, e impedindo que chegasse a oportunidade de Ronaldo.

Podia questionar a oportunidade das substituições, ou o facto do capitão ter sido deixado para o fim na marcação dos penáltis, mas se tivesse corrido bem ninguém se lembraria de criticar.

Tenho que aceitar a eliminação. Os Espanhóis acabaram por ser mais fortes. Não teria sido injustiça nenhuma se tivéssemos marcado um chouriço durante os 90 minutos, mas a partir do prolongamento nunca mais estivemos em jogo como antes. O carrossel Espanhol raramente se viu, o que pelo menos mostra que estivemos melhor que os anteriores adversários (o que não seria vitória moral nenhuma de qualquer forma) ou que os próprios Espanhóis estiveram pior.

Mas não posso deixar de pensar em como esta foi uma oportunidade de ouro para ir até ao fim (melhor que esta só a incrivelmente desperdiçada em 2004) e que mais uma vez deixámos fugir.

Perder uma meia-final de um Europeu dói. No estádio, e sendo essa derrota confirmada por penáltis, pior ainda. É desolador. Recordo o momento em que a bola entrou na baliza pela última vez como um daqueles momentos em que tudo pára. Uns segundos antes estava à espera do pior, mas quando aconteceu fiquei durante minutos completamente apático a ver os Espanhóis a festejar.

A caminhada de volta para o apartamento foi feita com mesma apatia. Por um lado ia recuperando lentamente a pulsação normal, por outro limitava-me a andar em frente sem reagir ao que me rodeava.




Mais tarde começo a pensar em como Portugal me tem habituado, desde que presto alguma atenção a futebol, a boas prestações em campeonatos da Europa. Sempre que se qualificou, nunca foi eliminado na primeira fase. Contando com todas as participações (incluindo a primeira, que não é do meu tempo), fomos vice-campeões por uma vez (2004), chegámos a outras 3 meias-finais (1984, 2000 e 2012) e só por duas vezes não passámos dos quartos-de-final (1996 e 2008). O saldo não está mau, mas realmente já podíamos ter ganho alguma coisa.

Principalmente tendo em conta as expectativas iniciais, esta prestação foi muito positiva. Por outro lado tirou-me mais dias de férias do que estava à espera. Tenho a certeza que não teria corrido tão bem caso eu tivesse o mês inteiro livre.

Enfim, estava chateado mas a aventura ainda não tinha terminado. Ainda precisava de eventualmente sair dali.


O dia seguinte foi para ressacar da derrota e das viagens cansativas dos dias anteriores. Depois de ainda ter ficado até tarde a vasculhar a internet por informações sobre o jogo, ainda fiz o mesmo ao acordar. Só me apeteceu sair do apartamento quase ao fim da tarde.

Houve tempo para ver alguns pontos de interesse da cidade, mas poucos, enquanto me deslocava até à estação ferroviária local de modo a imprimir mais um bilhete de comboio para o dia seguinte.












A cidade não é certamente a mais bela do país. É, no estilo, parecida com Kharkiv, até pela sua relativa proximidade geográfica. Têm ambas muita influência soviética, ambas têm pelo menos uma estátua de Lenine, e em ambas se nota um grande contraste entre a maioria dos habitantes e os multi-milionários que por lá andam. Este último ponto pareceu-me mais visível em Donetsk, sendo que o dono da equipa de futebol local é um dos exemplos.

Após a caminhada fui a um restaurante com comida Russa para jantar, após o qual precisava de procurar um sítio onde ver a outra meia final, entre Alemães e Italianos, com os primeiros a serem claramente favoritos.

Encontrei um Irish pub que parecia porreiro para beber uma cerveja e ver futebol. Estava bastante cheio, pelo que às primeiras sílabas em Português que ouvi depois de entrar aproximei-me logo para ver se me arranjavam um lugar na mesa de onde as ouvira.

Acabei por passar um bom par de horas em boa companhia. Entretanto soube que estava na presença de três repórteres da TVI, que para além dos jogos de Portugal iriam ainda fazer a cobertura da final, uns dias depois, em Kyiv.

No final do jogo, surpresa pela vitória da Itália, com o intratável Balotelli a bisar. Surpresa, mas não depois de acompanhar o jogo. Os Italianos foram efectivamente melhores e mereceram a ida à final.

E a noite ficou concluída pouco depois, com os meus companheiros de mesa a terem a amabilidade de me dar boleia até ao apartamento.


Chegava então o dia 29 de Junho e precisava mais uma vez de acordar extremamente cedo, depois de ter estado a arrumar tudo até tarde.

Com o sol ainda bem baixo no horizonte, ainda antes das 6h da manhã, estava já a sair em direcção ao centro para esperar um autocarro que me levasse à estação.





O comboio sairia às 6:30h directamente para Kyiv. E desta vez, para além de escolher o comboio novo e rápido (cerca de sete horas de viagem), escolhi também a primeira classe, para ver se realmente havia uma grande diferença (já agora levava as experiências todas em termos ferroviários).





Aquilo que esperava para a viagem era encostar-me ao assento e acordar só em Kyiv.

Mas, embora a carruagem estivesse quase vazia, os lugares ao meu lado estavam preenchidos por um grupo de alegres e barulhentos Portugueses, que continuavam a festa que vinham fazendo nas noites anteriores. Este facto era óbvio, já que a primeira coisa que me perguntaram quando perceberam que era Português foi se queria uma cerveja.

Pessoal porreiro, mas demasiado diferente de mim. Estavam ali para desfrutar de um tipo de turismo muito específico, e que poderia ser definido por uma bela expressão Portuguesa: "putas e vinho verde", mas dispensando o vinho verde.

Quando eventualmente se deixaram levar pelo sono, ao fim de umas horas, também pude descansar um pouco e usufruir da primeira classe. É efectivamente confortável, tem mais umas mariquices que a segunda classe, mas creio que a maior vantagem é mesmo estar mais vazia, e geralmente mais calma e silenciosa (nem sempre).




Chegado a Kyiv, aproveitei para comer bem e rapidamente me pus a caminho do aeroporto. Poucas horas depois estava já em Varsóvia, e outras tantas horas mais tarde em Cracóvia.

Na estação Oeste de Varsóvia tinha de comprar um bilhete com alguma rapidez, e para isso bastou aproveitar-me de uma das fraquezas dos Polacos, a qual presencio frequentemente. A fila para comprar bilhetes era, como é costume nas estações Polacas, grande. Mas acontece que os Polacos, para além de aparentemente gostarem de filas, desconfiam em demasia da tecnologia. Enquanto toda a gente esperava na fila normal para comprar o bilhete manualmente, ninguém tentava comprar um bilhete numa das máquinas automáticas disponíveis. Teve que ser o Português a fazê-lo e, depois, alguns Polacos corajosos.

Melhor assim, pois não tive que esperar muito.


De volta a Cracóvia, pude descansar no fim-de-semana aquilo que não consegui nos dias anteriores. Acabei por assistir à final do torneio num restaurante na zona Judaica da cidade, já bastante relaxado.

Já pouco importava, mas naquela altura podia sempre usar o ano que vivi em Itália como pretexto adicional para querer que os Espanhóis perdessem.

Mas a verdade é que a vitória concludente da Espanha não deu margem para dúvidas. Ganharam outra vez, porra!


Fazia-se tarde, e era tempo de regressar à Holanda, sem poder sequer gozar do facto de termos vencido a selecção laranja, pois já ninguém se lembrava disso por cá.

Surpreendentemente ninguém me partiu a janela à pedrada enquanto andei fora.





Em jeito de conclusão, chamar a isto uma aventura é capaz de ser um abuso e um insulto às verdadeiras aventuras, mas que me deu gozo, deu. E escrever sobre isto um ano depois deu para perceber que ainda há memórias bastante frescas.

Foi quase um mês de muito cansaço, viagens desconfortáveis, mas também momentos inesquecíveis e muitas emoções (cantar o hino nacional naqueles jogos foi das maiores, certamente). O futebol e a nossa selecção foram o pretexto, mas muitas outras lembranças ficarão.


Lembranças, e uns trocos.




до побачення!