sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guerra e Hidromel

 Caríssimos,


Nos últimos rabiscos produzidos neste espaço referia que este ano de 2022 já se estava a diferenciar dos anteriores. O que dizer agora? Duas semanas depois de ter publicado aquelas linhas, a Rússia invadia a Ucrânia, trazendo as atrocidades da guerra para a Europa mais uma vez.

Nessa manhã estava a caminho de Varsóvia para participar na maior competição Europeia de hidroméis (Mead Madness Cup), a que se seguiria a conferência que reuniria hidromeleiros de toda a Europa, e mesmo alguns do resto do mundo. Desta feita, esse fim-de-semana teve duas faces.

Como sempre, tive a oportunidade de conhecer pessoas de todo o mundo ligadas ao hidromel. Reencontrei também alguns amigos que fui fazendo nestes eventos ao longo dos anos. Provei, formalmente e informalmente, um sem número de hidroméis de todo o tipo. Em geral, é um evento ansiosamente aguardado durante todo o ano.

Por outro lado, aquilo que deveria ter sido alegria e convívio acabou por sê-lo apenas parcialmente, pelo menos para mim. Se estava a pensar e a falar sobre hidromel metade do tempo, na outra metade estava nervoso e abananado, sem conseguir gozar do evento como seria suposto.

Para mim o momento alto de todo o fim-de-semana foi o anúncio duma das medalhas a um dos nossos hidromeleiros que não pôde estar presente precisamente por ser Ucraniano e estar naquela altura a lidar com questões mais importantes. Seguiu-se um longo e sentido aplauso de pé de todos os presentes.


Bem sei que sentiria as coisas de forma diferente se vivesse em Portugal e se não tivesse a ligação que tenho a esta parte da Europa, mas a verdade é que, dadas as circunstâncias, tenho muita dificuldade em levar uma vida sequer perto do normal neste momento. Envergonho-me por não ter tido a mesma reacção a todas as outras guerras e injustiças que proliferam pelo mundo, mas acordar tarde é melhor que não acordar de todo.

Há vários factores a influenciar a minha forma de ver isto. Desde logo, quase toda a fronteira Leste da Polónia está envolvida (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia). Vivo a cerca de 250km da fronteira com a Ucrânia. O facto de viver por cá há uns anos também me pôs um pouco mais a par do cabrão que levou a cabo esta invasão. E depois temos um simples facto que faz alguma diferença: desta vez eu conheço algumas das cidades que estão a ser bombardeadas, conheço pessoas que estão "do lado de lá" e, embora ainda na terceira pessoa para já, testemunho de mais perto o que por lá está a acontecer.

Entre doações de dinheiro e itens de primeira necessidade para ajuda humanitária, passando por ajudas mais directas para quem está ainda na Ucrânia, sinto sempre que não consigo fazer o suficiente, mas creio que nunca parecerá o suficiente.

A Polónia tornou-se num exemplo, na forma como está a receber e a ajudar os refugiados que há mais de um mês enchem os postos fronteiriços. Pessoalmente, para já só acolhemos uma pessoa durante tempo limitado, mas a verdade é que estou tremendamente orgulhoso na forma como os Polacos (e também estrangeiros que por cá vivem) se chegaram à frente e não ficaram à espera do governo ou entidades oficiais.

O governo, assim como os governos dos países aqui da zona (exceptuando a Hungria), compreendem melhor o que está em causa e mostram muito mais coragem na forma como enfrentam a Rússia. Não esqueço que este governo está a tentar criar na Polónia algo não tão diferente assim do que se passa na Rússia,  e vai tentando ganhar pontos para as próximas eleições com toda a situação. Mas fica sempre a sensação que o resto da Europa (a começar pela Alemanha) está a demorar demasiado tempo a perceber o que está em causa e a reagir com a intensidade necessária.

É assustador assistir a tudo isto e perceber que não é um documentário sobre o início da segunda guerra mundial, mas a triste realidade actual. Apesar dos exemplos de bondade que se vê por todo o lado, as tendências soturnas da minha mente levam-me frequentemente para pensamentos misantropos, por todas as atrocidades que se vão verificando nos cenários de guerra. O post que escrevi aquando da eleição de Trump nos EUA continua a encaixar que nem uma luva na actualidade.

Enfim, a minha mente é assim, mas enquanto não sucumbe completamente a esses pensamentos, há que ajudar.


Uma das organizações que fornece ajuda humanitária aqui na Polónia é a Polska Akcja Humanitarna, e podem doar dinheiro para o efeito aqui.

As próximas sugestões são sobre pessoas que conheço pessoalmente. Se tiverem alguma dúvida contactem-me. Mais à frente deixo um vídeo onde podem ouvir essas mesmas pessoas.

Alex é um entusiasta de cerveja e hidromel e tem um pub em Kharkiv. Neste momento está na zona de Lviv a ajudar refugiados e também a angariar equipamento para o exército. Este post público no facebook tem todas as informações. Se quiserem ajudar, podem fazer uma transferência para a conta mencionada após "FOR EUROPE").

Yuriy é também de Kharkiv e um dos seus hidroméis recebeu a medalha que originou a ovação da noite, durante a entrega dos prémios na Mead Madness Cup. Está também neste momento na zona de Lviv, e está a angariar fundos para a compra de drones para o exército. Este post público no facebook (na página da sua caseira Silverspoon Brewery) tem todas as informações. Para doações o mais fácil é usar o endereço de Paypal mencionado no final.

Vitalii tinha uma produção de cidra e hidromel na zona de Kyiv. Tinha, porque infelizmente foi completamente destruída durante a invasão. Este post público no facebook explica como podem ajudar, enviando doações para o endereço de Paypal mencionado. Se quiserem podem também ainda comprar alguns dos seus hidroméis na maior loja online especializada aqui da Polónia. Os seus hidroméis são os chamados "session mead", geralmente com 6% a 8% de álcool e na sua maioria gaseificados. São dos melhores que se consegue encontrar deste estilo. Infelizmente imagino que muitos deles não estarão novamente disponíveis num futuro próximo.

No vídeo seguinte podem ouvir um pouco do testemunho destas pessoas, numa emissão especial que os Kings of Mead fizeram em que o Vitalii, o Yuriy e o Alex participaram.


Numa nota mais positiva, deixo aqui um curto vídeo com o resumo do que foi a competição Mead Madness Cup deste ano, seguido duma música que os Pink Floyd acabaram de gravar, acompanhando um cantor Ucraniano, para a angariação de fundos para esta causa. Não é todos os dias que os Pink Floyd gravam alguma coisa.



E para terminar, resta-me dizer que o Zorro, e o seu "Z", estão arruinados, e ainda que todos deveriam seguir o exempo de Vash the Stampede.


Até breve, esperando que da próxima vez as coisas estejam mais positivas.