quarta-feira, 13 de julho de 2016

Improbabilidades

Ora viva, campeões!

Já cá faltava a minha douta opinião sobre os acontecimentos do último mês, que raramente têm sido cobertos pela comunicação social. O Euro 2016, pois claro. E com imagens roubadas descaradamente do site da UEFA, porque desta vez eu não estive lá.




Eu não acreditava. Não acreditei antes da campanha, não acreditei depois dos primeiros jogos, e nem sequer acreditei tanto assim antes da final. Não foi a primeira nem será a última vez em que tento ser realista e baixar as expectativas. Quando, há quatro anos, fui à Ucrânia apoiar a selecção, achava que as duas semanas de férias que tirara seriam suficientes, mas tive que ficar mais algum tempo.

E como poderia acreditar? Aquela crença, aparentemente cega, que Fernando Santos demonstrava nas conferências de imprensa, enquanto o que se via dentro do campo apontava para um regresso precoce a casa, não era algo que eu pudesse encaixar na minha forma de pensar. Onde é que já se viu uma equipa a jogar assim ser campeã da Europa? Hmm... precisamente em Portugal, há doze anos, e pelos vistos alguém aprendeu com isso.

As minhas expectativas já eram baixas no início, e assim se mantiveram (ou baixaram até) após os primeiros jogos. Jogámos se calhar o suficiente para ter ganho algum daqueles jogos, mas não calhou. Mas ficava sempre a sensação que não dava muito mais do que aquilo. E ver Fernando Santos a colocar em campo mais um médio defensivo para segurar o empate frente à Hungria não é algo que me deixe satisfeito. Certamente resultado de duas décadas em que fui mal habituado, com equipas de Portugal a jogar bom futebol e a... não ganhar nada.

Eu achava que, apesar de Cristiano Ronaldo, podíamos fazer melhor. Mas infelizmente era mesmo assim. Apesar dele. Nos primeiros jogos continuava a condenar a atitude do capitão. Fazia mil remates por jogo (é verdade que eventualmente marcaria, mas...), desperdiçava qualquer livre dentro do meio campo adversário para chutar contra a barreira. Enfim, desconsiderava completamente o resto da equipa, achando ser ele o único capaz de fazer alguma coisa digna de registo. Os seus comentários infelizes relativamente à Islândia não ajudaram, e resignei-me ao facto de só voltarmos a ter alguma hipótese de conquistas internacionais depois da reforma do capitão.





Mas algo mudou entretanto. Aparentemente quando Ronaldo lançou aquele microfone para o lago, lançou também uma boa dose de arrogância e egocentrismo, e o Ronaldo que se viu depois da fase de grupos era outro. Longe de ser brilhante em boa parte das suas acções, surpreendeu-me a sua atitude nos jogos seguintes, em que jogava muito mais com a equipa e, surpresa das surpresas, praticamente deixou de marcar livres. Em boa hora, digo eu.

O que se viu frente à Croácia foi algo que, futebolisticamente falando, não me agradou nada. Parecia a tal mentalidade de equipa pequena que Ronaldo apontava à selecção de um país com 300 mil habitantes. E aquele jogo rapidamente foi apelidado, na TV Holandesa, de "pior jogo da competição". "Mas porque vais meter o Quaresma? Mete mas é o Rafa!", dizia eu. Não sou eu o treinador, e a verdade é que vencemos uma selecção cheia de talento que jogava bom futebol. Aquele golo, depois de duas horas de sofrimento, levou-me a gritar como não fazia há uns tempos.




Depois, a nossa terceira posição na fase de grupos começava a dar frutos. A partir daqui já acreditava numa chegada à final, mas uma vez lá chegados seriamos enviados de volta para casa com uma derrota frente à fortíssima Alemanha. Certamente.

O jogo com a Polónia foi difícil, como foram todos, mas não queria nada os penalties. Afinal, há quatro anos foi assim mesmo que arrumámos, e a Polónia demonstrara frieza nesse campo frente à Suíça. Mas desta vez tudo foi diferente. Ronaldo não se deixou ficar para o fim (como fizera frente à Espanha, em Donetsk, acabando por nem ter oportunidade de marcar) e assumiu a responsabilidade logo no início, à capitão. As suas palavras de incentivo, que mais tarde vieram a público, seriam possivelmente alvo de muitas críticas caso o resultado fosse outro. "Se perdermos que se foda!" deveria ficar para a posteridade como um dos nosso grandes provérbios.




Foi um alívio, como sempre que vencemos nos penalties, mas foi também a vitória que menos festejei, já que a minha cara-metade estava do lado oposto. Felizmente ela só liga a futebol quando joga a Polónia, portanto passou depressa.

O País de Gales, nas meias-finais. Aqui a minha confiança era um pouco mais alta do que nos jogos anteriores, apesar da prestação dos Galeses frente à Bélgica (equipa cotada que, sinceramente, também não me convencera). Após mais um jogo difícil, Ronaldo voou para o primeiro golo e marcou metade do segundo, e doze anos depois lá estávamos, numa final de um Europeu.




Como já disse, ainda não acreditava que fizéssemos uma gracinha. Ainda assim, na noite seguinte o meu realismo dizia-me que as probabilidades tinham subitamente aumentado, ao ver a França vencer os Alemães, com um tipo de jogo não tão distante daquilo que tinham apelidado de nojento. Apesar de tudo, "uma final é uma final", e "isto é futebol", e outros chavões do género, apontavam para o inédito título. Uma coisa já era certa: Fernando Santos não mentira ao dizer que voltaria a casa apenas dia 11 de Julho.

E o que dizer da final? Quão épico e dramático pode ser um jogo de futebol? Ronaldo a sair a meio da primeira parte, lesionado, em lágrimas. Os Franceses com a confiança em alta, mas sem grande engenho para ultrapassar um enorme Rui Patrício e uma segura defesa liderada por Pepe. O prolongamento, a entrada do Éder que, para ser justo, finalmente nos deu a possibilidade de segurar um pouco a bola e ganhar lances na frente. Éder, o ponta-de-lança que só lá estava porque não tínhamos mais nenhum (que eu achava que nem lá devia estar), sacou o golo de uma carreira e deu o primeiro título internacional a Portugal.












Pois, isto foi um filme do caraças. Ainda estou à espera que venham dizer que afinal foi tudo combinado e o campeonato vai começar a seguir.

Portugal passou a fase de grupos com três pontos. Três. Num grupo fraco. A isto seguiu-se futebol quase sempre defensivo, num percurso que, graças a um golo da Islândia noutro jogo, evitou qualquer dos grandes candidatos, excluindo a final. Com poucos momentos de brilhantismo e bom futebol, acabámos por vencer apenas um jogo nos 90 minutos, dois no prolongamento e outro nos penalties. Considerando a fase de qualificação, não podemos dizer que tenha sido uma grande surpresa, com um percurso consistente de vitórias por um golo apenas.

Mas de facto o que posso dizer agora, que vencemos? Preferia que jogássemos bonito, como é óbvio, mas também sei o que passámos em torneios anteriores, com futebol lindíssimo, mas também derrotas dramáticas. França, Grécia, Espanha. Derrotas que nos ficaram atravessadas. Desta feita tivemos um desempenho defensivo notável, fomos realistas, frustrámos os adversários e ganhámos um torneio que os outros lembrarão como um dos piores de sempre. Olha, perderam, que se foda!

Não acreditei, até bem perto do fim. Ainda hoje não me acredito. Várias vezes ao dia vou refrescar o vídeo do golo do Éder e emocionar-me novamente, para ter a certeza de que ficou bem registado na memória e na história. Esta equipa ficará na minha memória, por certo, e já não me importa que tenham jogado mau futebol, ou o que quer que lhe queiram chamar. O Éder pode nunca mais marcar um golo, que por mim pode jogar na mesma. É isto o futebol.


Campeões!
Portugal!