quarta-feira, 27 de abril de 2016

Futebol, esse poço de virtudes

Saudações,


Com pouca vontade de me debruçar sobre qualquer assunto da minha actualidade, opto por regressar a um tema do meu interesse, se bem que de importância duvidosa.

Não venho escrever sobre a actualidade do futebol, mas de algumas das inúmeras situações comuns neste desporto que me irritam profundamente. Embora me irritem ainda mais, excluo destas linhas jogadas de bastidores, corrupção e as guerras estéreis que tornam tudo o que se passa à volta do jogo num autêntico circo.

Venho, no fundo, explicar algumas das razões, geralmente relativas ao que se passa dentro do campo, pelas quais nunca me tornei jogador profissional de futebol.


Para arrumar já a primeira razão, basta dizer que tenho falta de jeito. Entre o puto que andava aleatoriamente atrás da bola, sendo várias vezes, por exclusão de partes, o guarda-redes, até ao marmanjo que se limitava a correr pela faixa direita até desferir remates por vezes perigosos, nunca fui gajo de grande técnica.

Nesta última fase que refiro safava-me por ter alguma velocidade e um remate com alguma pujança e colocação, mas era o chamado boi. Punha os olhos na baliza e chutava de onde quer que estivesse, independentemente de ter colegas bem colocados ou não. Por vezes marcava, mas não sendo um Ronaldo é difícil justificar esse comportamento. Era principalmente falta de uso do cérebro.

Gosto de pensar que entretanto melhorei neste aspecto, mas sendo agora um veterano em final de carreira, já estou sem pedalada para aquelas correrias, pelo que a melhoria pode de facto ser um sintoma da falta de vontade para correr com a bola e não de um maior uso do cérebro.

Já agora, na comparação que toda a gente parece estar sempre a fazer entre Messi e Ronaldo, não os considero no mesmo patamar simplesmente porque este último sofre do mesmo problema que eu. Ou não tem tanta inteligência para utilizar no jogo ou não o quer fazer. Obviamente que quando se tem as qualidades técnicas e físicas que o Ronaldo possui, as probabilidades de se ser bem sucedido aumentam bastante. É, claramente, um monstro. Mas Messi está muito para além disso. De qualquer forma não me apetece agora tentar explicar esta minha afirmação.


Enfim, passemos então aos outros detalhes responsáveis pela minha não incursão nesse mundo milionário.

Não me irei referir a situações com determinadas equipas em particular (excepto o par de vídeos no final). Isto acontece em todos os jogos e todos fazem o mesmo, uns mais que outros, quando lhes convém. São as chamadas manhas. E efectivamente detesto-as a todas, especialmente quando a minha equipa está envolvida (de um ou outro lado). Felizmente, vistas ao longe, têm um certo valor cómico, de tão ridículas que se tornam.


É sabido que para se ser um bem sucedido jogador de futebol é preciso ter conhecimentos avançados nas várias técnicas de teatro, algo que nunca desenvolvi de forma satisfatória.

Parecendo que não, aquelas quedas teatrais, com ou sem falta, requerem bastante treino. Neste aspecto estou sempre a errar clamorosamente. Sofrendo falta, tendo a cair sem qualquer glamour. Creio que o árbitro se recusaria a marcar falta, de tão fraca que é a minha queda. Talvez me falte aproveitar melhor as rajadas de vento. Por outro lado, quando não é falta, ou não caio ou então levanto-me imediatamente, e inclusive confirmo que não é falta. Isto, aliado à falta dos gritos de dor, rebolando no chão, e as mãos na cara para tapar qualquer sorriso que teime em surgir, faz de mim um fraquíssimo actor.

Tenho ainda uma incapacidade gritante no que toca aos gestos teatrais que aparentemente todos os jogadores devem dominar, bem como o seu timing correcto. Certamente já repararam que após uma falta cometida, é quase obrigatório imediatamente levantar os braços com uma óbvia cara de "não fiz nada". Quanto mais óbvia a falta for, mais surpresa deve estar presente na expressão facial do jogador.

A outra situação que obriga a um domínio de expressões faciais denotando clara indignação é quando a bola atinge claramente o jogador adversário no peito dentro da sua área. Ao não desatar a gesticular e a gritar "É mão! É mão!" estou obviamente em desvantagem perante um colega mais expressivo. Há até alguns casos de excesso de zelo por parte de alguns jogadores, ao utilizarem esta técnica independentemente da bola tocar perto ou não das mãos do adversário. Basta tocar-lhe, onde quer que seja, e é já suficiente para exigir uma grande penalidade.


Mas desengane-se quem pensa que dotes teatrais são os únicos dignos de destaque. É preciso também ter uma significativa dose de treino para aquilo que se designa de "queimar tempo". Desde caminhar mais lentamente, propositadamente deixar cair a bola antes dum lançamento, até contemplar o horizonte durante uns segundos enquanto se pensa no sentido da vida, antes de prosseguir com o jogo, todas estas acções requerem treino e concentração.

Pensando bem, se calhar este seria um ponto em que eu talvez com algum treino conseguisse atingir um nível aceitável. Duvido que conseguisse chegar à excelência, no entanto. Afinal de contas, é também essencial alguma teatralidade nestas situações, particularmente quando o jogador é tocado e subitamente sente a necessidade de executar uma complexa série de movimentos: rebolar pelo chão, agarrando geralmente o local onde foi tocado (não tem que ser exactamente no mesmo ponto, já que com todo o movimento ninguém vai reparar nesse preciosismo) e/ou a cara, esperar pela equipa médica e o seu "spray milagroso", mancar com dificuldade até à linha lateral, sendo que a atmosfera curativa para lá dessa linha imediatamente faz com que o mesmo jogador esteja já em condições de entrar uns segundos mais tarde.

Vejo, no entanto, e de forma vergonhosa, inúmeros jogadores serem interrompidos desta sua performance teatral quando os seus companheiros conseguem eventualmente ganhar de novo a bola. A transição ofensiva da própria equipa tem, como se sabe, importantes propriedades medicinais, o que resulta numa melhoria imediata, levantando-se de pronto o jogador, estando até por vezes directamente envolvido no desenrolar do lance de ataque. Basta tomar atenção às situações em que a equipa não ganha a bola. Nota-se que o sofrimento do jogador que ficou no chão não diminui enquanto não tiver a oportunidade de ser assistido pela equipa médica e finalmente ser levado para lá da linha lateral.

Um dos acontecimentos mais importantes, durante um jogo, pelo seu fortíssimo efeito medicinal é efectivamente um golo adversário. Imagino que, ao sofrer um golo, um jogador sofre imediatamente uma descarga de cafeína ou algo mais estimulante. Uma equipa que até então jogava com calma, executando cada acção com todo o cuidado e verificando todos os pontos de possível falha inúmeras vezes antes de seguir o jogo, passa a jogar como se cada um dos seus jogadores quisesse, de imediato e em simultâneo, entrar pela baliza adversária e furar as redes da mesma, com ou sem bola. Curiosamente este estimulante afecta seriamente as capacidades teatrais da equipa, tornando-se muito mais monótona a partir daqui.


Passando então à próxima situação. Como talvez saibam não sou muito dado a grande expressividade ou proximidade física. Abraços, só de vez em quando. Normalmente fico satisfeito com um aperto de mão. Também não sou grande apreciador de dança.

Daí que tenha grandes problemas em fazer o que os jogadores fazem normalmente nas bolas paradas. Não é que não esteja a gostar do jogo ou da performance dos meus adversários, mas daí até os abraçar vai um longo caminho. A situação na grande-área durante pontapés de canto é como que um baile. Os pares abraçam-se e vão dançando enquanto a bola faz o seu percurso pelos ares até estar ao alcance de alguém. Por vezes a dança é tão intensa que os dançarinos caem uns por cima dos outros. Eu acho que numa situação semelhante daria uns passos para o lado, ficando a assistir a tudo à distância. Uma outra óbvia solução para esta minha incapacidade seria treinar intensivamente a marcação das bolas paradas. Assim evitaria toda a confusão na área pelo menos nas bolas paradas da minha equipa.


Se por um lado dá para notar o apreço que as duas equipas sentem uma pela outra nestas situações de proximidade física, por outro também se desentendem ocasionalmente. E aqui entra o meu desinteresse por conflitos.

Quando acontece uma falta ou um choque, por vezes apenas um dos jogadores envolvidos está a tentar o seu melhor para usar os seus dotes teatrais, rebolando no chão, enquanto que o outro perdeu o momento e já é tarde para começar também, ficando por isso frustrado com a situação. Por vezes nenhum deles perde tempo e rebolam os dois pelo chão, queixando-se ambos da falta óbvia que o outro cometeu. Aqui ao menos estão em igualdade de circunstâncias, cabendo depois ao árbitro avaliar as capacidades teatrais de cada um.

Mas se por ventura nenhum fica caído no chão, a opção que resta é uma acesa discussão, uns empurrões e quiçá argumentos algo mais assertivos, não raras vezes inspirados noutros desportos. Ora aqui estamos claramente para lá das minhas capacidades.


Creio que estas são algumas das principais razões para eu não ter singrado nesse maravilhoso mundo do futebol. Certamente que consigo encontrar mais algumas, mas fica para outra altura. Depois de dar uma vista de olhos a estes vídeos vou até ali ao jardim treinar umas quedas.






Doei!

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