Um grande bem-haja, caríssimos!
Há já muito tempo que não escrevia nada. Ora por falta de tempo, ora por falta de vontade. Na verdade, pouco sentido faz escrever o que quer que seja por aqui. Se comecei por escrever para partilhar um pouco da minha vida no estrangeiro com amigos e familiares, nesta altura praticamente ninguém aqui põe os olhos, portanto estou a escrever apenas para mim, para o senhor Google e para alguns dos modelos de linguagem entretanto popularizados - ChatGPT e afins.
Sendo assim, o assunto que desta vez me levou a escrever seria altamente improvável nos primórdios deste espaço cultural. Ao longo dos meus vintes, e até parte dos meus trintas, política era algo que não me preocupava muito. Votava, mas como em política nunca fui de clubites ou de fortes convicções, presumo que o fazia alternadamente entre os partidos principais - PSD ou PS.
Hoje continuo a não ser de clubites, muito porque, à medida que vou lendo e aprendendo, as minhas ideias podem ir mudando para um lado ou para o outro. E, convenhamos, os partidos também não são exactamente estáticos nas suas propostas, e muito menos as pessoas que se chegam à frente como candidatos.
No entanto, hoje levo muito mais a sério o meu voto e tento sempre estar informado para votar de facto em consciência. Essa mudança de atitude veio muito da minha experiência no estrangeiro, principalmente a partir do momento em que comecei a ver mais de perto o que se passava na Polónia, e em geral o que se passa em qualquer país vizinho da Rússia.
Estou ainda longe de ter convicções fortes relativamente a muitas questões. Numas inclino-me mais para a esquerda, noutras para a direita, e admito vir a mudar de opinião, não em tudo, mas em parte das minhas ideias.
O que não considero negociável é que interfiram nos direitos e liberdades fundamentais. E não estou a falar só dos meus direitos e liberdades fundamentais. Mulheres, homens, pessoas que se identifiquem com o género que lhes apeteça, pessoas de todas as etnias, países de origem, religiões, convicções, etc, devem ter esses direitos e essas liberdades.
Quero poder falar, escrever, pensar, ajudar quem eu quiser, e já agora fazer com o meu corpo e com a minha vida o que quiser, sem ter que me preocupar que uns bufos me denunciem à PIDE, ou organização equivalente, por considerarem que estou a ir contra o que consideram ser os "bons costumes" a que a pátria deve aspirar.
Estes últimos parágrafos tiram-me um pouco do sério. Nasci já depois do Estado Novo ter caído, mas os relatos desse tempo causam-me arrepios na espinha.
Já a viver na Polónia, e mais familiarizado com o que os Polacos passaram desde a II Guerra Mundial, sob um regime comunista controlado pela União Soviética, passei uns anos em que o governo Polaco todos os dias tentava minar de uma forma ou outra o "sistema". No fundo, foram tentando controlar os media, os tribunais, enquanto iam desviando dinheiro para os amigos e acalmando boa parte da população com algumas medidas populares, mas impossíveis de manter por muito tempo devido aos custos.
Em Outubro de 2023, na maior mobilização desde as primeiras eleições após a queda do comunismo, os Polacos votaram na coligação da oposição. Votaram na democracia. Votaram na integração Europeia. O exemplo do que poderia acontecer aqui no caso contrário é o que se passa na Hungria, um país da União Europeia cada vez mais ditatorial e próximo da Rússia. A Rússia de Putin que tudo faz para minar a democracia na Europa, financiando partidos geralmente da extrema-direita e claramente anti-UE. Quando isso não funcionou na Ucrânia, desistiram de o tentar fazer pela calada e passaram então à violência com uma invasão militar.
Tudo isto para dizer que, talvez até mais do que uma guerra, o que mais me assusta é ter de viver num ambiente como aquele em que vivem os Russos. Após 25 anos de Putin, cada ano com uma crescente supressão de tudo o que é independente e contra o regime, os Russos ou são a favor da guerra e do imperialismo, ou calam-se para tentar evitar acabarem na prisão, ou pior.
Daqui a uma semana temos a segunda volta das eleições presidenciais aqui na Polónia, e neste momento temos praticamente um país dividido ao meio. O presidente, tal como em Portugal, não tem muitos poderes. Mas um presidente associado ao anterior governo, tudo fará para minar os esforços do governo actual, aumentando o risco de tudo voltar atrás.
Há uma semana, na Roménia, o candidato pró-Europeu acabou por vencer as eleições presidenciais, caso contrário a Rússia teria mais uma vitória. E todos os anos teremos situações semelhantes pela Europa fora, como já tivemos, aliás, na Eslováquia.
Há uma semana também, os Portugueses decidiram que o duo PSD-PS deixa de estar "sozinho" nas trocas de poder. O PS ficou um pouco acima de 23% dos votos e o Chega um pouco abaixo, embora o Chega possa vir a ter mais deputados que o PS, com os votos da emigração. Isto quer dizer que teremos possivelmente 60 deputados do Chega na Assembleia da República.
Já surgiram inúmeras análises às causas deste resultado, e eu não tenciono sequer tentar explicar o sucedido, até porque falo duma posição de privilégio. Tenho os meus problemas, como toda a gente, mas não sofro na pele o que essas pessoas sofrem, por isso longe de mim assumir que posso falar por elas. O que me parece óbvio é que os eleitores estão descontentes e cada vez menos olham para os "partidos do costume" como uma solução, já que de nada lhes valeu no passado.
No entanto, o que me causa desconforto não é o facto das pessoas votarem menos no PS e no PSD. É o facto de considerarem que o Chega é a alternativa. Admito que, nos meus imberbes 20 anos, teria sido certamente mais influenciável à propaganda populista que o Chega domina como nenhum outro partido. Não sei se chegaria para mudar o meu voto, mas admito essa possibilidade. Mas um resultado eleitoral desta envergadura é transversal a toda a sociedade. Não são só jovens imberbes que não sabem o que fazem.
Ainda assim, convém lembrar que, ao contrário do que o Chega quer fazer crer, ter 23% dos votos não quer dizer que agora mandam nisto tudo. Quer dizer que 77% das pessoas não votaram no Chega. Mas, dada a progressão desta vaga de extrema-direita na Europa, não é descabido assumir que ter o Chega no poder é uma possibilidade muito forte nos próximos anos.
Há um sketch da Herman Enciclopédia com o qual sorrio pelo menos uma vez por ano, em que o personagem protagonizado por Miguel Guilherme, a trabalhar no escritório, repara no calendário que tem na parede, que indica ser dia 25 de Abril. Retira então o papel referente ao dia 25, apenas para se deparar com outro 25, e assim sucessivamente.
Esta metáfora serve também para a pergunta que coloco no título. Se o sketch continuasse por mais alguns minutos, certamente o protagonista acabaria por retirar o último papel com o dia 25. Alguma vez tem que acabar. E este é o meu maior receio no caso do Chega alguma vez chegar ao poder.
Ter no poder um partido racista, xenófobo, intolerante, contrário a tantos tipos de liberdade que defendo, poderia muito bem acabar com as vitórias conseguidas a 25 de Abril de 1974. O cartaz da campanha em que se queixavam de 50 anos de corrupção diz-me que eles anunciam que não gostam de corrupção (embora isso me pareça improvável), mas que para além disso preferiam recuar para os tempos antes desse fatídico dia de 1974.
Um Estado Novo 2.0, nos tempos do TikTok e da inteligência artificial, é ainda mais assustador do que o original. Desculpem-me a franqueza, mas prefiro mísseis a explodir à minha volta. Ao menos é violência mais directa e imediata. Acabamos já com tudo.
Sendo que eu tenho tendências bastante pessimistas, tenho que me focar mais nos 77% que não votaram no Chega. Ou, arredondemos um pouco melhor, os 70-75% que não votaram em partidos anti-democráticos.
Nada contra não votarem em PS ou PSD. Eu também não o fiz. Mas não me venham dizer que o Chega é a única alternativa. Há vários partidos pequenos que têm ideias que não envolvem a criação de nova ditadura ou retrocesso nas liberdades fundamentais.
Ainda assim, o que me deixa um pouco mais perplexo ainda são os votos da emigração, onde me incluo. Há um ano metade dos 4 deputados eleitos pelos emigrantes foram para o Chega, e imagino que desta vez isso também aconteça. Deve ser para poder ver ao longe como é uma ditadura. Como há quem goste bastante de filmes de terror, ver as notícias pode ser uma boa idea para um serão de sábado à noite.
Enfim, como já escrevi demais e não vou convencer ninguém com isto, fico-me por aqui. Fiquem bem.
25 de Abril sempre!